Poemas: Arnaldo Domínguez

Pax

Sentado na velha cadeira
repouso na parte de fora.
Numa esquina, ao lado, a vida,
namora.
Do lado de dentro do gasto
retrato ovalado,
o finado,
levanta da velha poltrona de couro
num gesto curvado
e inventa uma quina aonde atira sua vida.
No quadro.
Leilões de cadeiras ignoram os lados da esteira.
Despejos, cobranças, arrestos, sequestros...
Sentadas em calmas lembranças as almas
se inclinam, reclinam, bagunçam, balançam...
De pronto num ato me atiro na quina,
do quadro.
E encontro o reencontro de novo, abafado.
Assim o silêncio nos leva
e andamos
radiantes na antiga vereda.
Cantando.

Arnaldo Domínguez (século XX)




Anjo Caído

Caldenes, eram dois
e ambos amavam pássaros (de modo diferente)
um, livre-sonhador, em vôo razante
aspirava e temia alturas infinitas
Outro, alquimista de sonhos
espalhava arapucas de espinho.
Um achava-as precisas, pontos de capitón que asseguravam
Outro, contemplativo, prendia-os um a um
qual dourada gaiola
para estarem à mão
apenas na distância da carícia
aquela, sempre a mesma, que aprendera na infância.
Um, por fim, não voava, e então tornou-se abutre, comendo (todo dia) o fígado de Outro.
Ao extremo cirrótico quando, assim, morreram
Felizes para sempre.

Arnaldo Domínguez (Itaquaciara, 03/02/2011)




Comentários

  1. Arnaldo, gostei muito de ler os poemas, de ver poesia no blog. Gostei particularmente do primeiro. Fiquei imaginando as cenas... E pensando como é interessante esse estado de poesia, o momento poético que leva uma pessoa, por exemplo, a levantar de uma poltrona para escrever. Ou, quem sabe, escrever na própria poltrona, em pleno momento de sentir a poesia. Um sentir-expressar. Fico feliz por esse espaço do blog, que possibilita encontros, mesmo à distância. Um grande abraço! Ricardo.

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    1. Ricardo, agradeço muito - embora um tanto atrasado - pelo seu comentário. Envio um grande abraço fraterno!

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